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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Pai


Pai

Como você sabe, sou jornalista e a melhor maneira de expressar o que penso é por meio da escrita. Durante tudo isso o que aconteceu com nossa família ultimamente, pensei muito em você e em tudo pelo que passamos na vida. O exame de tudo o que vivemos só me faz mais orgulhoso de ser seu filho e ter convivido com você.

Lembrei-me de quando eu era muito pequeno e esperava você voltar das viagens. Você sempre trazia um bombom Sonho de Valsa para a Aline e para mim. Às vezes você trazia presentes e sabia direitinho o que eu mais gostava de ganhar: uma caixa novinha de lápis de cor era o que mais me deixava feliz. Lembro-me de como a casa ficava em festa quando você voltava.

Lembrei-me do quanto aprendi sobre música com você, ouvindo fitas cassetes no som do carro. Primeiro, na Variant marrom. Depois, no Corcel branco. Ainda hoje, as músicas que você gostava e ensinou-me a gostar são as minhas preferidas. Beatles, Raul Seixas e tantos outros.

Lembrei-me da trilha sonora das nossas viagens, para a praia ou para Cuiabá. Você estava comigo na primeira vez que eu estive em um Ferry Boat e numa balsa, na primeira vez em que vi o mar e o grande Rio Paraná, quando estivemos na Chapada dos Guimarães e na Garganta do Diabo. Em tantos lugares diferentes. Nas visitas à Vó Santa e todos os parentes de lá.

Lembrei-me da viagem que fizemos, você, Aline e eu, para o Paraguai e o Mato Grosso do Sul. Aprendemos como era a sua vida na estrada, nos hotéis e na entrega de mercadoria aos clientes. Conhecemos a praça na pequena cidade em que basta cruzar a rua para estar no país vizinho.

Passamos pelos governos de Figueiredo, Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma. Passamos por cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro novo, cruzeiro real, cruzeiro de novo, URV e real. Passamos por hiperinflação, congelamento de preços, confisco de poupança, Plano Real, crise após crise. Lembro que a gente tinha que correr no mercado antes que eles remarcassem o preço dos produtos. Você nunca foi muito fã de governo, e com razão, já que na maior parte do tempo, ele atrapalhou mais do que ajudou.

Passamos pelo tempo em que nossos primos Marcos, Alessandra e Kátia moraram com a gente, o tempo em que a Vó Santa era nossa vizinha, perto da casa de madeira azul e branca da Rua Amapá, das vezes em que a Vó Santa nos dava dinheiro escondido, porque você brigava com ela, da doença do Vô Exupério que fez você e a mãe pararem de fumar (Plaza azul, que eu comprava para vocês no armazém do português da esquina), das noites de baralho na casa dos seus amigos, da pequena edícula para a qual mudamos enquanto nossa casa não ficava pronta, da casa nova no bairro sem asfalto, dos meus anos em Curitiba, da perda da Vó Santa, da perda do Vô Exupério e da separação de vocês.

Ao longo de tantas lembranças, o que sempre marcou sua vida foi a honestidade e o trabalho duro. Você trabalhou em rádio, em firma, em banda, em bar, na estrada. Não importa a profissão, você fez de tudo, se virou e fez as coisas acontecerem. Você fez tudo o que podia para garantir educação para a gente, para que pudéssemos seguir seu exemplo.

O maior patrimônio que eu tenho é poder dizer que segui seu exemplo. Formei-em em jornalismo, formei-me em economia, trabalhei como assessor de imprensa, fiz estágio em rádio, revista, jornal, trabalhei em jornais e hoje, aqui nos Estados Unidos, dou aula de português. Se precisar descascar batata e lavar prato, não me importo. Não existe trabalho vergonhoso. Essa é a lição que você deixou. Eu acredito em honestidade e trabalho duro. Não tenho tempo para reclamar e ficar remoendo o que não  deu certo. Aprendi que nós não temos tempo para reclamar. A bola esta rolando e o juiz pode apitar o final da partida a qualquer momento.

Eu era muito jovem na primeira vez que você precisou operar o coração. Mas era grande o suficiente para perceber que podia perder você para sempre. Tudo o que escutei naquela época, sobre o quanto era difícil sobreviver e como era arriscada a operação, me assustou e me mudou por dentro.

Desde aquela época, você teve outro enfarto, câncer e novamente um momento crítico, em que teve que fazer nova cirurgia no coração. Em todos esses eventos, você mostrou uma força inacreditável, uma resistência sobre-humana, uma vontade de viver que desafia a medicina e a ciência.

Antes de me mudar para cá, foi bom poder ter aquela conversa com você, em que falamos abertamente sobre tudo e pudemos deixar claro tudo o que sentimos um pelo outro. Ao final do papo, você me abraçou e me disse “não importa o caminho pelo qual você segue, vou te amar sempre e você sempre será meu orgulho”.

Orgulho é ser seu filho. Orgulho é poder ter te apresentado a todos os meus colegas quando você me visitou na redação do jornal. Orgulho é ter cumprimentado todas as pessoas que me perguntaram se eu era filho do Deko, sempre com uma lembrança positiva e um comentário divertido.

Fisicamente somos muito semelhantes e em personalidade também. Embora não goste de admitir, herdei muito do seu orgulho, da contrariedade em receber ajuda ou hospitalidade que não possa retribuir. E a teimosia também. Mas herdei da mesma maneira a resistência e a capacidade de recomeçar quantas vezes forem necessárias. Nós temos uma maneira de entender um ao outro que não precisa de palavras. É como telepatia, mas um tipo que em que os genes semelhantes se comunicam num nível subliminar.

Pai, você sempre foi e sempre será meu referencial. Todos os meus amigos escutaram alguma história sua e como você sempre fez valer seu nome, sem nunca manchá-lo. O amor que você nos passou vai manter nossa família para sempre.

Te amo

Vinícius