Pai
Como você sabe, sou jornalista e a melhor maneira de expressar o que penso é por meio da escrita. Durante tudo isso o que aconteceu com nossa família ultimamente, pensei muito em você e em tudo pelo
que passamos na vida. O exame de tudo o que vivemos só me faz mais
orgulhoso de ser seu filho e ter convivido com você.
Lembrei-me
de quando eu era muito pequeno e esperava você voltar das
viagens. Você sempre trazia um bombom Sonho de
Valsa para a Aline e para mim. Às vezes você trazia
presentes e sabia direitinho o que eu mais gostava de ganhar: uma caixa novinha de
lápis de cor era o que mais me deixava feliz. Lembro-me de como a casa
ficava em festa quando você voltava.
Lembrei-me
do quanto aprendi sobre música com você, ouvindo fitas
cassetes no som do carro. Primeiro, na Variant marrom. Depois, no Corcel
branco. Ainda hoje, as músicas que você gostava e ensinou-me a gostar são as minhas
preferidas. Beatles, Raul Seixas e tantos outros.
Lembrei-me
da trilha sonora das nossas viagens, para a praia ou para Cuiabá. Você estava comigo na primeira vez que
eu estive em um Ferry Boat e numa balsa, na primeira vez em que vi o mar e o
grande Rio Paraná, quando estivemos na Chapada dos
Guimarães e na Garganta do Diabo. Em tantos lugares diferentes. Nas visitas à Vó Santa e todos os parentes de lá.
Lembrei-me
da viagem que fizemos, você, Aline e eu, para o Paraguai e o
Mato Grosso do Sul. Aprendemos como era a sua vida
na estrada, nos hotéis e na entrega de mercadoria aos clientes. Conhecemos a
praça na pequena cidade em que basta cruzar a rua para estar no país vizinho.
Passamos pelos
governos de Figueiredo, Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique Cardoso, Lula
e Dilma. Passamos por cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro novo, cruzeiro
real, cruzeiro de novo, URV e real. Passamos por hiperinflação, congelamento de
preços, confisco de poupança, Plano Real, crise após crise. Lembro que a gente
tinha que correr no mercado antes que eles remarcassem o preço dos produtos.
Você nunca foi muito fã de governo, e com razão, já que na maior parte do
tempo, ele atrapalhou mais do que ajudou.
Passamos pelo tempo em
que nossos primos Marcos, Alessandra e Kátia moraram com a gente, o tempo em
que a Vó Santa era nossa vizinha, perto da casa de madeira azul e branca da Rua
Amapá, das vezes em que a Vó Santa nos dava dinheiro escondido, porque você
brigava com ela, da doença do Vô Exupério que fez você e a mãe pararem de fumar
(Plaza azul, que eu comprava para vocês no armazém do português da esquina),
das noites de baralho na casa dos seus amigos, da pequena edícula para a qual
mudamos enquanto nossa casa não ficava pronta, da casa nova no bairro sem
asfalto, dos meus anos em Curitiba, da perda da Vó Santa, da perda do Vô
Exupério e da separação de vocês.
Ao longo de tantas
lembranças, o que sempre marcou sua vida foi a honestidade e o trabalho duro. Você
trabalhou em rádio, em firma, em banda, em bar, na estrada. Não importa a
profissão, você fez de tudo, se virou e fez as coisas acontecerem. Você fez
tudo o que podia para garantir educação para a gente, para que pudéssemos
seguir seu exemplo.
O maior patrimônio que
eu tenho é poder dizer que segui seu exemplo. Formei-em em jornalismo,
formei-me em economia, trabalhei como assessor de imprensa, fiz estágio em
rádio, revista, jornal, trabalhei em jornais e hoje, aqui nos Estados Unidos,
dou aula de português. Se precisar descascar batata e lavar prato, não me
importo. Não existe trabalho vergonhoso. Essa é a lição que você deixou. Eu
acredito em honestidade e trabalho duro. Não tenho tempo para reclamar e ficar
remoendo o que não deu certo. Aprendi
que nós não temos tempo para reclamar. A bola esta rolando e o juiz pode apitar
o final da partida a qualquer momento.
Eu era muito jovem na
primeira vez que você precisou operar o coração. Mas era grande o suficiente
para perceber que podia perder você para sempre. Tudo o que escutei naquela
época, sobre o quanto era difícil sobreviver e como era arriscada a operação,
me assustou e me mudou por dentro.
Desde aquela época, você teve outro enfarto, câncer e novamente um momento crítico, em que teve que fazer nova cirurgia no coração. Em todos esses eventos, você mostrou uma força inacreditável, uma resistência sobre-humana, uma vontade de viver que desafia a medicina e a ciência.
Antes de me mudar para
cá, foi bom poder ter aquela conversa com você, em que falamos abertamente
sobre tudo e pudemos deixar claro tudo o que sentimos um pelo outro. Ao final
do papo, você me abraçou e me disse “não importa o caminho pelo qual você
segue, vou te amar sempre e você sempre será meu orgulho”.
Orgulho é ser seu
filho. Orgulho é poder ter te apresentado a todos os meus colegas quando você
me visitou na redação do jornal. Orgulho é ter cumprimentado todas as pessoas
que me perguntaram se eu era filho do Deko, sempre com uma lembrança positiva e
um comentário divertido.
Fisicamente somos
muito semelhantes e em personalidade também. Embora não goste de admitir, herdei
muito do seu orgulho, da contrariedade em receber ajuda ou hospitalidade que não
possa retribuir. E a teimosia também. Mas herdei da mesma maneira a resistência
e a capacidade de recomeçar quantas vezes forem necessárias. Nós temos uma
maneira de entender um ao outro que não precisa de palavras. É como telepatia,
mas um tipo que em que os genes semelhantes se comunicam num nível subliminar.
Pai, você sempre foi e sempre será meu referencial. Todos os meus amigos escutaram alguma história sua e como você sempre fez valer seu nome, sem nunca manchá-lo. O amor que você nos passou vai manter nossa família para sempre.
Te amo
Vinícius
Força para superar esse momento, Vinícius.
ResponderExcluirAbraço.
Lindo e emocionante Vinny. Que pena que ele não chegou a ler, mas que bom que ele se foi sabendo o quanto você o amava.
ResponderExcluirMuito lindo e verdadeiro! Vc sempre foi nosso maior orgulho, a melhor contribuição para esse mundo!! Amo você, meu filho!
ResponderExcluirMãe